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Editorial: Contradições e riscos de “imperialismo digital” autoritário na nova fase da Meta durante o governo Trump
Escrito em 10 de janeiro de 2025

Instituto Democracia em Xeque

No dia 7 de janeiro de 2025, Mark Zuckerberg anunciou mudanças drásticas que reorientam os rumos das plataformas da Meta na direção da agenda dogmática da extrema-direita global a poucos dias de Donald Trump ser empossado como presidente dos Estados Unidos. O pacote “pró-liberdade de expressão” e “anticensura” representa a entrada da Meta numa força-tarefa liderada pelo novo governo Trump para se contrapor a iniciativas de países diversos, da União Europeia e de organismos internacionais que visam “equilibrar direitos no ambiente on-line” por meio de regulação e cooperações, como apontado na análise publicada pelo secretário de Políticas Digitais, João Brant.

De forma contraditória com as suas atuações anteriores – incluindo os recorrentes pedidos de desculpas em sede parlamentar às vítimas de violência e danos na sua plataforma –, e com os marcos instituídos pelo Facebook na atenuação da prevalência de misinformation e desinformação nove anos depois do escândalo da Cambridge Analytica (2016), extingue a parceria com as iniciativas de fact-checking, considerando-as enviesadas. Simplifica as políticas de moderação de conteúdo para acolher manifestações radicais e extremistas de crenças sobre gênero e imigração, tópicos reconhecidos pelo seu elevado potencial de mobilização da direita nacionalista e extrema direita na Europa e no mundo. Considera ainda as próprias políticas de moderação de conteúdo e sistemas de detecção de violações on-line como mecanismos de censura.

Não satisfeito, anuncia mudanças na recomendação de conteúdo político que podem ampliar ainda mais a exposição de indivíduos a discursos controversos, contenciosos e extremistas; e adota explicitamente o retorcido e conveniente viés trumpista como abordagem legítima do princípio da “liberdade de expressão”, acusando a Europa de institucionalizar a censura e inibir a inovação, a América Latina de ter países com cortes secretas, a China de proibir aplicativos e o governo Biden de incorrer em censura.  Essa estratégia das plataformas da Meta de se alinhar à agenda do movimento MAGA (Make America Great Again) ajuda na aproximação com o governo Trump e, por conseguinte, na economia de milhares de dólares oriundos de cortes na parceria com os verificadores de fatos e em mecanismos de moderação, além de ajudar a esquivar-se de julgamentos antitruste

O anúncio da Meta foi duramente criticado pelas iniciativas de fact-checking e pelo jornalismo. Nesta quinta-feira, 9 de janeiro, publicamos um relatório que descreve a repercussão do anúncio nas mídias sociais (acesse aqui). De um lado, atores ligados ao campo progressista manifestaram preocupação com o cenário de desinformação e com a distorção do sentido de liberdade de expressão como “liberdade para mentir”. Na direita radical, os atores consideraram a medida uma vitória da liberdade de expressão e o fim da censura nas redes sociais. No Telegram, especificamente, os usuários repercutem o elogio do próprio Trump às novas medidas da Meta e a nomeação de Dana White, CEO do UFC e aliado próximo de Donald Trump, para o conselho da empresa. Outra questão que repercute com entusiasmo no campo da direita radical é a mudança da política da Meta, que passa a permitir que “alegações de doença mental ou anormalidades sejam associadas a gênero ou orientação sexual”, afetando diretamente a população LGBTQIAPN+ e atendendo à investida anti-gênero do radicalismo global

A seguir, o Instituto Democracia em Xeque elenca cinco pontos iniciais de atenção relacionados ao viés autoritário do anúncio de Zuckerberg:

1. Aliança entre big tech, alt-techs e governo Trump

Inaugura-se uma nova era em que donos das gigantes de tecnologia manifestam abertamente alinhamento à agenda ideológica e dogmática de um presidente populista radical, seguindo a tendência das alt-techs. Depois de declarar apoio e de se envolver diretamente na campanha eleitoral, Elon Musk, dono do X, assumirá a posição de secretário de Estado. Junto a isto, Zuckerberg declarou intenção de cooperar com o governo Trump em prol da indústria de tecnologia nacional e em rejeição à soberania de países terceiros de organizar e regular as atividades digitais, mesmo que em favor da garantia de direitos humanos e digitais. Como CEO da Meta, Zuckerberg já vinha declarando arrependimento em implementar políticas de moderação de conteúdo durante a crise da Covid-19 por recomendação do governo e da OMS, o que considerou ter sido uma forma de censura.

2. Adesão à abordagem da extrema direita de liberdade de expressão

O discurso de Zuckerberg sugere um afastamento do compromisso da empresa com a segurança dos usuários. Em 2016, no contexto do escândalo envolvendo o Cambridge Analytica, Zuckerberg reiterou diversas vezes que o objetivo do Facebook era conectar amigos e familiares, admitiu que as redes sociais poderiam oferecer novos perigos às democracias e reconheceu que demorou a identificar os usos indevidos da plataforma nas eleições. A partir daí, passou a implementar diversos esforços para oferecer uma experiência hiperpersonalizada vinculada aos interesses pessoais dos usuários. Reduziu o alcance de posts de notícias e empresas (2018), a aparição de conteúdo político no feed (2021), parou de recomendar conteúdo e grupos políticos (2021), etc. Ao mudar a rota, passa a afirmar que criou o Facebook para “dar voz às pessoas” e “proteger a livre expressão”, mas que, nos últimos anos, foi levado a censurar coisas pelo governo e pela mídia tradicional, num comportamento “claramente político”, como forma de lidar com danos advindos do conteúdo on-line. Nesta linha, compara a moderação de conteúdo à censura e  legitima a presença de discursos nocivos diversos nas plataformas Meta como manifestação de liberdade de expressão. Favorece, ainda, que estes discursos sejam amplificados ao voltar a privilegiar a recomendação de conteúdo político radical nas plataformas da Meta. Além disso, é importante reafirmar que o fato de grupos se identificarem como pró-liberdade de expressão não significa que eles entendem e praticam o conceito, muitas vezes ocorre o contrário. No Twitter, por exemplo, Elon Musk tem perseguido quem o critica ou pensa diferente, incluindo conservadores e jornalistas

3. Afrouxamento das políticas e das atividades de moderação de conteúdo

Na mesma linha, como dito anteriormente, Zuckerberg passa a relativizar as atividades de moderação de conteúdo, o que é equiparado a uma forma de censura. Até então, nos padrões das comunidades, a Meta reconhecia que a internet criou novas formas de abuso e a necessidade de limitar a liberdade de expressão a partir do compromisso com a autenticidade, a segurança, a privacidade e a dignidade dos usuários. Por isso, os padrões de comunidade incluíram uma série de conteúdos que são proibidos, entre eles, regras próprias para misinformation. Apesar disto, a Meta agora vai suspender restrições a tópicos sobre imigração e gênero, embora não tenha fornecido detalhes sobre como isso será feito e como impactará as políticas relativas ao discurso de ódio e à desumanização de indivíduos. Embora o Facebook e o Instagram sejam classificados como plataformas on-line muito grandes pelo DSA, por possuírem mais de 45 milhões de usuários ativos por mês na União Europeia, correm o risco de funcionarem a serviço das alt-techs, convertendo-se ainda mais em grandes portões de saída de ideários conspiratórios e extremistas, valendo-se de mínima moderação de conteúdo. 

4. Enfraquecimento da verificação de fatos e ataques ao jornalismo

Junto à aplicação de políticas de moderação de conteúdo, que visam inibir conteúdos e comportamentos que violam as regras privadas das plataformas, a Meta instituiu um programa pioneiro de verificação de fatos (Third Party Fact Checking) como modo suplementar de conter abusos e preservar a segurança dos usuários. Assim, ao longo dos últimos anos, os usuários têm tido a oportunidade de acessar mais facilmente, a partir de um aviso anexado à postagem, verificações de fatos relacionadas a conteúdos virais. Neste caso, se o conteúdo não violar as regras da plataforma, não há remoção, mas o conteúdo classificado como falso tem o alcance reduzido, de modo a inibir a visibilidade. As iniciativas são, na sua totalidade, apartidárias e auditadas pela International Fact-Checking Network. Apesar da ampla experiência e da garantia de profissionalismo do setor, Zuckerberg passa agora a defender que as iniciativas de fact-checking têm se comportado de modo politicamente enviesado e corroído, mais do que construído confiança. Zuckerberg tem aliado-se também a Trump e a Elon Musk no descrédito ao jornalismo. 

5. Novo paradoxo para a regulação das plataformas digitais

A mudança abrupta na gestão e governança da Meta aponta para a difícil tarefa de equilibrar interesses privados e preservar direitos individuais e coletivos a partir de regulação da tecnologia digital. Como já era comum no Gettr e depois ainda mais habitual no Truth Social, donos e executivos de plataformas digitais não se furtam de manifestar opinião ideológica e partidária de direita radical, o que foi seguido por Elon Musk à frente do X, de modo a se comportarem como editores e distribuidores privilegiados de informação política nesses serviços. Como já questionado em outras ocasiões, se um provedor de internet não apenas fornece uma infraestrutura sociotécnica complexa, na qual não se tem controle total, mas também seleciona, produz e emite mensagens, deverá ser considerado um produtor e editor de conteúdo próprio da plataforma? Que implicações a militância política de Musk no X ou o retorno da recomendação de conteúdo político no Facebook têm sobre a exposição dos usuários à informação incorreta e a campanhas de desinformação? Como desenhar modelos regulatórios que abranjam reivindicações antidemocráticas e freem escaladas autoritárias num contexto de flexibilização de políticas de moderação de conteúdo e de alinhamento das big techs com o governo Trump? 

Nesse sentido, desde o Instituto Democracia em Xeque, reforçamos a necessidade de um compromisso ainda maior das sociedades com a promoção de um ambiente cívico digital sano, que respeite princípios democráticos, direitos humanos e marcos civilizatórios. O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados são instrumentos importantes para a garantia de direitos fundamentais na esfera pública digital no Brasil. Agora, mais do que nunca, é preciso avançar para um estado de consenso em torno de um marco regulatório para as atividades das big techs no Brasil e em escala global. Exortamos o Estado brasileiro a buscar espaços de convergência e aliança com outros Estados-nação, como Austrália, Canadá e Reino Unido, bem como com entidades supranacionais, como a União Europeia e a Unasul, que se preocupam com a defesa da integridade da informação e a garantia do direito à informação plural e veraz. Enfatizamos que estados e organismos multilaterais não devem, jamais, atuar como “árbitros da verdade”, mas tampouco como cúmplices da mentira e da instrumentalização de um estado permanente de promoção de engano. Esse é o desafio que temos pela frente.  

 

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